Depois de ser cenário para produções cinematográficas como “Terra Vermelha” e “Em Nome da Lei”, Dourados torna-se cenário para séries televisivas que abordam temas como a cultura indígena e a transexualidade. “Guateka” é a primeira a ser finalizada e apresenta a história do grupo de rap Brô MC’s, que ficciona a trajetória de Bruno Veron, Clemerson Batista, Kelvin Peixoto e Charlie Peixoto, jovens indígenas da aldeia Jaguapirú Bororó.
A ideia surgiu com o ator e diretor Thiago Rotta. A partir do Programa de Apoio ao Desenvolvimento do Audiovisual Brasileiro, que previa financiamento para produção de séries para TVs públicas, ele percebeu o potencial da história dos jovens indígenas. “Eu tive a ideia, mas o argumento é deles. A gente conversou muito e criamos essa história que é marcada pelas lutas e pela cultura indígena”, explica.
Quem assina o roteiro é o jornalista e escritor Antony Magalhães. Dividida em cinco episódios, a série apresenta a trajetória do grupo que compõe rap em guarani, um idioma que vem sendo deixado de lado pelos indígenas. “É um esforço de resgate cultural que eles fazem. O trabalho deles tem muito disso, mais do que buscar fama ou qualquer coisa do tipo”, explica. Mesmo que este não seja o objetivo principal, o grupo garantiu espaço na posse da presidente afastada Dilma Rousseff e apresentou-se no TV Xuxa.
DESCENTRALIZAR
“Guateka” foi uma das produções escolhidas pelo Prodav 10. A seleção foi realizada em regime de concurso público para projetos de produção independente de obras audiovisuais brasileiras, com destinação inicial às televisões públicas da Região Centro-Oeste. Na sequência, podem entrar na grade de emissoras de outras regiões. “As produtoras podiam enviar projetos de acordo com temas variados. Um deles era a juventude e a questão indígena”, explica Ana Paula Ostapenko, produtora-geral do projeto.
A série começou a ser produzida em 2015, depois do lançamento da chamada pública promovida pela Agência Nacional de Cinema (Ancine). “É um produto 100% sul-mato-grossense”, ressalta a produtora. Do tema aos atores e à parte técnica, tudo foi feito por aqui. “Somente para a mixagem de som tivemos que contar com um grupo de fora”, explica.
A escolha da história do Brô MC’s é marcada por peculiaridades, que, segundo os produtores, mereciam ser exploradas. “É uma forma de mostrar um tema pesado em Mato Grosso do Sul, a luta indígena por reconhecimento de sua cultura e a manutenção de costumes, assim como o próprio idioma”, argumenta Ana Paula. As composições do grupo de rap que misturam português e guarani são um diferencial que não poderia ser ignorado nas telas.
Os próprios músicos interpretam sua história, mas o diretor da série garante que se trata de uma ficcionalização da trajetória dos músicos. A escolha deu liberdade para a produção – assim como permitiu o enquadramento do projeto no programa da Ancine. “Escolhemos um tema que nos interessa e conseguimos mostrar que é possível produzir audiovisual em Dourados sem ser astro das grandes emissoras”, brinca.
HISTÓRIA
Por meio da internet, o Brô MC’s conseguiu levar suas letras de protesto para todo o Brasil. “Eju Orendive” tem mais de 310 mil visualizações no YouTube. Em português, o título significa “Vem Conosco” e a letra é, justamente, um convite à revolução. Bruno Veron, um dos integrantes do grupo, começou a escrever letras de rap em 2007. O projeto tomou forma na aldeia indígena Jaguapirú a partir da parceria de Bruno e Clemerson Batista Veron, seu irmão, em 2008.
Neste ano, Kelvin Peixoto e Charles Peixoto também entraram para o grupo e fecharam a formação inicial do quarteto. Uma participação no filme “Terra Vermelha”, do Marco Bechis, confirmou a criação do grupo. Eles participaram também da gravação da canção “No Yankee”, do grupo Fase Terminal. A música ganhou destaque e levou os músicos a se apresentarem na final nacional do Festival Rap Popular Brasileiro em 2009.
“Brô MC’s”, primeiro álbum do grupo, foi produzido naquele ano e reúne oito canções que deixam claro o intuito do grupo: unir português e guarani para falar sobre a cultura e a vida indígena, sem deixar de demonstrar as dificuldades a serem superadas. Bem recebido pela crítica, o trabalho do grupo logo se popularizou e chamou atenção nacional. Em 2011, por exemplo, os rappers foram convidados para se apresentar durante a posse de Dilma Rousseff.
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